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Claudia Andujar e a luta pela vida Yanomami

Retrospectiva da fotógrafa e ativista no IMS revela intimidade com a cultura e a luta pela sobrevivência dos povos indígenas de áreas isoladas 

A culpa de ter sobrevivido às barbáries da Segunda Guerra Mundial é o fio condutor da trajetória de Claudia Andujar. Filha de judeu húngaro, viu a família paterna ser exterminada pelo nazismo nos campos de concentração de Auschwitz e Dachau. Escapou. Como sobrevivente, aproximou-se de grupos vulneráveis na busca pelo pertencimento. A profunda sensibilidade e o desencaixe no mundo mobilizaram Claudia a seguir com tenacidade e obstinação o percurso de registrar e proteger os povos indígenas Yanomami.

Diante da ameaça de rever a demarcação da terra Yanomami, a mostra Claudia Andujar: a luta Yanomami, em exibição no Instituto Moreira Salles, faz-se necessária. Thyago Nogueira, diretor do departamento de fotografia contemporânea do IMS e organizador da retrospectiva, pensou a exposição há cinco anos. “Obviamente estávamos em um cenário político diferente, mas eu já achava importante refazer a trajetória exemplar da Claudia, que faz arte política com ética, a fim de proteger um povo”.

A ideia de homenagear o trabalho da fotógrafa e ativista foi atravessada pela urgência de debater, novamente, a importância de preservar os Yanomami da ganância dos não índios. “Os Yanomami foram diretamente ameaçados pelo nosso governo e para nós foi um choque ver isso acontecer junto à exposição”, conta Nogueira. “Apesar da coincidência infeliz, estamos fazendo da mostra uma ferramenta para aproximar o público dos povos indígenas”.

Claudia vivenciou essa aproximação no início da década de 70, quando fotografou pela primeira vez os índios Yanomami para a revista Realidade. Voltou para aprofundar-se incentivada pelo antropólogo Darcy Ribeiro, após ganhar uma bolsa da Fundação John Simon Guggenheim. Desenvolveu grande parte da sua obra às margens da bacia do Rio Catrimani, entre Amazonas e Roraima, onde pôde vivenciar o cotidiano dos Yanomami até construir uma intimidade que a permitiu penetrar e transitar neste universo.

Dividida em duas partes, a retrospectiva mostra o encantamento, a plasticidade e o uso de técnicas fotográficas que renderam registros espirituais, mas também o começo da militância travada no contexto da construção da Rodovia Perimetral Norte, entre 1973 e 1976, que revelou a presença de minérios na região.

As fotografias de caças coletivas, rituais e faces tímidas da primeira parte, foram substituídas pela denúncia do garimpo na região, que trouxe o desmatamento, epidemias e o genocídio desse povo. “O cenário de depredação foi negligenciado pelo governo da época, que pretendia “socializar” os povos indígenas – na verdade, o interesse era transformá-los em força de trabalho”, pontua Thyago.

A mostra conclui com um manifesto audiovisual. Exibido pela primeira vez em 1989, a instalação foi feita como instrumento de luta à sobrevivência e reação aos decretos assinados por Sarney que demarcavam terras indígenas com isolamento entre as comunidades. As fotos do arquivo de Andujar, combinadas a uma trilha instrumental com cantos são o anúncio de uma barbárie que se repete.

Andujar é chamada de mãe pelas comunidades por onde passou – tirou os Yanomami da invisibilidade da sociedade branca. A sua biografia é uma constante no caminho que percorreu, de quem sobreviveu e lutou por outras vidas. “Eles a entendem como quem conseguiu organizá-los para sobreviverem”, finaliza Thyago.

IMS Paulista: Avenida Paulista, 2.424. Até 7 de abril

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