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Deus em Mim, Samuel de Saboia

Na teoria dos Multiversos, o cientista britânico Stephen Hawking defende a existência de um conjunto de universos possíveis, que transcorre paralelamente, incluindo este em que vivemos. Dessa forma, o espaço que observamos é só uma parte da realidade, uma bolha de sabão entre as inúmeras que flutuam no cosmo. A teoria dos Multiversos também poderia ser imaginada indo na direção oposta, de encontro ao nosso eu mais íntimo. A cada camada de profundidade surgem personas que coexistem e transfiguram-se, todas representando os diversos deuses que vivem em nós. É no mergulho feito nesses universos interiores que o recifense Samuel de Saboia criou Deus em Mim, exposição da série de pinturas inéditas do artista, em cartaz na Fábrica de Arte Marcos Amaro.

“Nossas ações criam reações em tudo que nos rodeia. O que absorvemos do mundo a partir daí nos possibilita explorar novos caminhos ou permanecer na mesma trilha”, explica Saboia. Esse foi o ponto de partida de Deus em Mim, primeira pintura da série e que dá nome à exposição. Se durante seus últimos trabalhos, o artista mostrava seu encontro com Deus por meio de símbolos de proteção externos, chamados por ele de guardiões, agora essa união com o divino acontece dentro de si e desdobra-se em figuras humanas imersas em outras, como uma espécie de matrioska infinita. A reverberação pictórica aparece em uma mistura interessante entre figurativo e abstrato que nos remete à obra do alemão Emil Nolde, que, assim como o artista brasileiro, choca com a vivacidade das cores, a distorção dos personagens e da perspectiva.

Fiat Lux, nome de uma das telas e expressão bíblica da criação divina da luz descrita em Gênesis 1:3, permeia a ideologia por trás da série. “A sombra é tão importante quanto a luz. Só através dela podemos enxergar a divindade que existe em nós e nos outros”, completa o artista. A presença da pintura Fé e Inocência na exposição embasa esse pensamento. Presa em uma gaiola, a inocência, materializada na forma humana, aparece sendo libertada pela fé, representada por um dos reconhecíveis pássaros de Saboia. Com as asas abertas, a ave é atormentada pelo pecado, figura criada com tinta em relevo e que possui traços diabólicos. “Quando falamos sobre crescimento, o bem e o mal valem a pena. Tudo tem importância, tudo tem seu peso”, explica.

Esse reencontro com a própria individualidade faz da série uma espécie de autorretrato do artista. Não é incomum percorrer os olhos pelas telas e se deparar com personagens que possuam certa semelhança com Saboia. Tais representações encontram-se em posição fetal, coroados com espinhos ou até admirando-se no reflexo de um lago – experimentando uma contínua análise de si e dos Deuses que habitam em nós.

Ana Carolina Ralston
Curadora

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