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Entre mulheres: Carola Saavedra fala sobre herança feminina em novo romance

Uma das grandes autoras brasileiras contemporâneas, Carola Saavedra discute o desejo, a maternidade e a hereditariedade em Com Armas Sonolentas

Três gerações de mulheres, filha, mãe e avó, olham em direção ao espectador. Na fotografia, elas estão ligadas por um fio de macarrão, que sai da boca de uma e entra na boca da seguinte, respectivamente – uma simbologia à herança materna que carregamos. “Quando vi essa obra de Anna Maria Maiolino, pensei na hora: ‘Quero escrever a história de três gerações de mulheres'”, conta a escritora chilena radicada no Brasil Carola Saavedra, que acaba de lançar o ótimo Com Armas Sonolentas (Companhia das Letras, R$ 55).

“Por Um Fio” (1976), de Anna Maria Maiolino (cortesia da artista)

O segundo estalo veio algum tempo depois, quando decidiu fazer seu pós-doutorado ligado à literatura de temas femininos escrita por mulheres. “Comecei a procurar romances de grandes autoras brasileiras sobre o assunto e não achei quase nada. Fiquei impressionada, afinal, toda a população do mundo nasceu de uma mãe e metade é do sexo feminino. Decidi que aquele era o momento de escrever meu livro.”

Com Armas Sonolentas reúne a trajetória de três mulheres que vivenciam o exílio e o abandono de diferentes formas, seja por um desencontro de línguas ou de experiências, emocionais ou geográficos. A primeira delas, Anna, uma aspirante a atriz de origem humilde, vê na relação com um cineasta alemão a possiblidade de ter fama e reconhecimento. Na sequência, conhecemos Maike, uma jovem alemã que se apaixona por uma colega do curso de português, que abre seus olhos para muitos sentimentos reprimidos em seu inconsciente. Por último, está uma personagem sem nome, que aos 14 anos é obrigada pela mãe a deixar sua casa no interior de Minas para trabalhar como doméstica no Rio de Janeiro. “Apesar de diferentes, elas estão interligadas pela busca de desvendar suas verdadeiras identidades”, explica Carola.

O processo de criação do livro acabou reunindo uma equipe formada praticamente só de mulheres: da autora da obra que ilustra a capa, a artista paulistana Ana Elisa Egreja, à inspiração para o nome do livro. Com Armas Sonolentas é um verso de um dos poemas da escritora, poetisa e dramaturga mexicana Juana Inés de la Cruz (1651-1695). “Um símbolo feminista. Para mim, ela foi a primeira intelectual latino-americana”, diz Carola. Em “Primer Sueño”, poema que contém o verso que dá nome ao romance, Juana fala sobre as armas femininas, que não são as da razão cartesiana, e sim as que nascem da intuição e do inconsciente. “Durante a leitura, muitas passagens flertam com a alucinação, mas, para mim, o importante não é distinguir o que é realidade ou loucura: se você sonhou que viveu algum fato ou se o vivenciou realmente, a marca que ele tem na sua história e nos atos subsequentes são praticamente as mesmas.”

Nascida no Chile, a autora mudou-se com os pais para o Brasil com apenas 3 anos. Formou-se em jornalismo na PUC do Rio e morou em diferentes países da Europa, como França e Alemanha, este último, onde se passa grande parte do novo romance. “Foram dez anos vivendo em Mainz-Gonsenheim, cidade a 45 minutos de Frankfurt, para a qual a personagem Anna se muda com o cineasta. “O livro é repleto de referências da minha vida, de pessoas que conheci e de cenas que presenciei”, conta.

O romance também discute temas muito atuais, como a escolha de muitas mulheres de hoje em não ter filhos – a própria autora decidiu ser mãe apenas depois dos 35 anos. Hoje, aos 45, ela é mãe de Victoria, de 4. “Desde jovem, sofremos uma pressão social enorme para assumirmos a maternidade. Esse assunto é pouco discutido, mesmo hoje em dia. Juana, por exemplo, optou por fazer parte de uma ordem religiosa para poder dedicar-se à literatura, atividade impensável para uma mulher naquela época.”

Histórias como essa guiaram as perguntas que Carola buscou responder no livro. A principal delas? “O que nos torna a mulher que somos? Em comum, todas as personagens passam por uma travessia, acompanhada pelo leitor, para se tornarem os sujeitos que são no fim da vida.”

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