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Entrevendo, Cildo Meireles

Cildo Meireles afeiçoou-se por arte quando criança, inspirado pelos traços do pintor espanhol Francisco Goya, que percorreu o Romantismo e o Rococó. Mais tarde, em um contexto pré-ditatorial, uma visita à uma exposição com referências africanas o tocou de forma a impulsionar a sua produção artística. Contundente, Cildo é um dos artistas que deu continuidade a um movimento artístico iniciado na década de 50, que questionava linguagem, autoria e anonimato. Certo de transpor a arte como estritamente visual, ele carrega em seu repertório a busca pela interação, pelo sensorial e pelo embaralhar de sentidos.

Entrevendo (1970/1994)

Assim revela-se a mostra antológica Entrevendo, a maior individual já montada do artista  na América Latina. O percurso pelos cinco sentidos em uma imersão sinestésica que, ora evoca sensibilidade, ora pede por reflexão, acontece no Sesc Pompeia como um convite ao exercício de perceber e reinventar sensações. Na mostra, o público é convocado a atravessar esses sentidos, que para o artista surgem como aptidões amplas e intercambiáveis, capazes de afetar diretamente a forma de criar relações com o entorno.

Entrevendo toma o título emprestado de uma das principais instalações mostradas. Nela, o visitante adentra um cone de madeira com duas pedras de gelo na boca, salgada e doce, em um caminhar do claro ao escuro diante de uma corrente de ar quente e frio. O artista, que subverte razões e as questiona de forma espacial e temporal, aguça a visão, tato, olfato, audição e até mesmo o paladar como recursos para perceber os seus trabalhos.

Ocupando uma área que soma cerca de 3 mil metros quadrados do Sesc Pompeia, a exposição, com curadoria de Júlia Rebouças e Diego Matos, tem início na produção artística de Cildo da década de 60 e alcança os dias atuais com trabalhos mostrados pela primeira vez no Brasil. Pensado para troca e interação social, o edifício projetado por Lina Bo Bardi engrandece e acessibiliza a longeva produção de Cildo Meireles, que no recorte totaliza 150 obras, entre gravuras, instalações, objetos, esculturas, estudos, obras sonoras e instruções.

Amerikkka (1991/2013)

Caracterizado também pela extensa pesquisa de materiais, Cildo surpreende pelo acúmulo. Com tom político, o artista escancara uma América marcada por guerras em Amerikkka, instalação que convida o público a um caminhar descalço por 17 mil ovos de madeira sob uma placa que reúne 33 mil balas de armas de fogo. Dos confrontos coloniais aos ataques recentes por organizações de extrema-direita, o artista faz referência à Ku Klux KLan, incorporado ao título pelas iniciais.

Missão, Missões (Como construir catedrais) (1987)

Também aborda os processos missionários de catequização indígena em Missão, Missões (Como construir catedrais), que soma milhares de moedas, ossos de boi e hóstias. Em uma espécie de equação, une poderes materiais e espirituais às consequências dessa conjunção. Cildo, um dos mais expressivos nomes da arte contemporânea, é capaz de ir além ao provocar questionamentos históricos e ressignificá-los aos anseios da contemporaneidade.

 

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