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Formas, fluídos e fragmentos, Conrado Zanotto e Patricia Carparelli

A lei da unidade da Teoria da Gestalt afirma que a percepção de um elemento é diferente da forma como assimilamos a somatória de suas partes. Ou seja, uma unidade é entendida como elemento único e diferente das somas de suas frações. O fato dos fragmentos das obras de Patricia Carparelli e Conrado Zanotto serem compreendidos de maneiras distintas quando isolados do todo, revela-se um dos fios que une as criações dos dois artistas na exposição Formas, fluídos e fragmentos, em cartaz na Galeria Kogan Amaro de São Paulo.

Nas telas de Patricia Carparelli, as cores ganham formas como fluxos do inconsciente. O expectador pode enxergar figuras isoladas que ao serem vistas no todo relevam-se memórias e cores diversas que se entrelaçam fazendo conexões entre o universo onírico e a realidade. A água e o tempo, dois de seus importantes pontos de partida, tomam formas por meio das tonalidades fluídas e aquareladas que pinta diretamente na tela, sem precisar de rascunhos. Se tivessem som, as pinturas a óleo da paulistana nos emitiriam o barulho do mar, que muito nos remete ao útero materno, espaço de aconchego das dores humanas e onde a luz transpassa de forma delicada e solar.

A união entre o universo aquático e o terreno – se deixarmos o corpo flutuar nas águas, ora emerso, ora submerso – é uma das sensações que surgiram como ponto inicial de Carparelli para desenvolver seu fluxo artístico ainda pequena, e que hoje nos leva em direção à linguagem baseada no movimento expressionista francês do século 19, quando as cenas em movimento transbordavam dos pinceis de Monet, Renoir e Degas. Na arte contemporânea brasileira conexões similares podem ser vistas na obra de Janaina Tschäpe, em que o universo celular e marinho parecem habitar as largas telas. Suas pesquisas estão focadas nas relações entre experimentações clínicas e terapias diversas – tais como arte terapia ou pensamentos de Carl Jung.

A fluidez de Carparelli envolve a impactante escultura de Conrado Zanotto, erguida no meio do espaço expositivo. Chifres, Ossos, Falos, Orifícios, Entranhas…, parte da série desenvolvida pelo artista intitulada Empíricos, reúne cerca de 150 esculturas feitas em argila e porcelana. O projeto tomou corpo a partir de formas orgânicas, que passaram a conversar entre si, e se revelaram em encaixes imperfeitos. A partir do princípio da coexistência, Conrado decidiu juntar cada fragmento em uma experiência de montagem – nenhuma delas alcançará o formato e os encaixes de outra, transformando-se cada qual em experimentações únicas.

Para compor a peça principal, foram usados cerca de 50 quilos de barro de argila bruta, provenientes de diferentes lugares, desde os mais rústicos – como a
Chapada dos Veadeiros (GO), de coloração rosada –, até a porcelana. A busca por essa variação de materiais, a preparação, a modelagem manual peça a peça, com tratamento e acabamento individual, são exercícios feitos pelo artista ao longo de 20 meses.

As formas nos lembram as esculturas da ítalo-brasileira Anna Maria Maiolino da década de 80, em especial Aqui e Ali, reproduzida pela artista para a Documenta 13 de Kassel , em 2012. Assim como ela, Zanotto preocupa-se com a gestualidade e a relação com a matéria. A instalação é marcada por essa fuga ao peso, como se sua inserção problemática no mundo devesse começar por excluir a lei da gravidade universal. Fuga que a água também nos permite.

Ana Carolina Ralston
Curadora

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