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O melhor da Flip 2019

Arquiteta e formada em Letras, ambas pela USP, Patrícia Ditolvo conta aqui alguns highlights da Festa Literária Internacional de Paraty 2019. Acompanhe!

Vaza-barris – Aílton Krenak e José Ceslo Martinez Correa
 

Zé Celso e Krenak discutiram o espaço da arte, a importância da terra. A conversa passou a uma performance coletiva. Uma garrafa de vinho foi dividida entre os presentes, no palco e na plateia, através de uma garrafa que passava de mão em mão. Krenak pintou o rosto de Zé Celso com urucum. Mais tarde, os dois se levantaram para cantar, dançar e chamaram o público para participar da roda. O encontro se transformou numa grande ciranda. Enquanto lá fora explodiam rojões de manifestantes de direita, que se reuniam para impedir a fala de Glenn Greenwald, Zé Celso e Krenak diziam que Canudos é aqui. Para encerrar a mesa-cerimônia, houve um sarau.

Mata da Corda – Grada Kilomba

A artista portuguesa multi meios Grada Kilomba conversou com Lilia Schwarcz e Kalaf Espalanga sobre seu livro Memórias da plantação (Cobogó, 2019). Nele, ela trata da questão da descolonização da língua. Afirma que grande parte do projeto colonial português foi romantizar a língua portuguesa. Diz que a língua fixa identidades, é capaz de transportar a violência. “É mais que algo semântico, algo estético”. A discussão atravessou a língua e passou a obras visuais da artista, instalações em exposição na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Um dos pontos mais importantes de sua fala foi a explicação sobre por que ela não permite que se mostrem imagens de negros escravizados submetidos a violência em suas apresentações. Não mostrar as imagens evita que seja reproduzida a violência. “Como tocamos a nossa história? Nossos corpos não devem ser representados em público com essa violência”.

Angico – Ayelet Gundar-Goshen e Ayòbámi Adébáyó 

Lilia Schwarcz mediou a conversa entre duas escritoras jovens, que vêm de lugares completamente diferentes, mas que trazem na sua escrita pontos de contato muito interessantes. O romance de Ayelet Uma noite, Markovitch (Todavia, 2018) conta a história de casamentos arranjados de judias para que elas escapassem do Holocausto, para, assim que chegassem à Palestina, se separassem. Markovitch se recusa a se separar de sua esposa, mesmo sabendo que ela não quer permanecer casada. A pergunta que Ayelet coloca, e que extrapola para outros âmbitos da sociedade e da história de Israel é “O que é que poderia fazer alguém se prender tanto a uma coisa, não abrir mão, mesmo sabendo que essa coisa não é sua”.

Ayòbámi escreveu Fique comigo (Harper Collins, 2018) em seus últimos anos de universidade. Seu romance trata da vida de dois personagens, casados, mas que não conseguem ter filhos. A autora trata das implicações sociais da não maternidade, da violência e da discriminação sofridas pela mulher, além de abordar um assunto tabu na sociedade nigeriana: a poligamia. Ao falar sobre sua técnica de escrita, Ayòbámi conta que o romance começou como um conto, o último diálogo de um casal antes da separação. Quando terminou, percebeu que havia ali algo que ainda não poderia ser dito, não na situação do conto. Entendeu, então que seu texto era maior do que aquilo, e, para dar mais espaço para que suas personagens se desenvolvessem, transformou-o num romance sobre expectativa, trauma, violência e amor.

Bendegó – Aparecida Vilaça

A antropóloga Aparecida Vilaça conversou com Paulo Roberto Pires sobre seu livro Paletó e eu (Todavia, 2018). Paletó é o apelido do índio Wari’ que a adotou como filha quando ela foi estudar a tribo. Aparecida abordou diversos temas como estranhamento, alteridade e o significado da língua em uma cultura como forma de expressar toda uma visão de mundo. Falou também sobre as perdas no incêndio do Museu Nacional em 2018 não só para sua área de antropologia, que perdeu a maior biblioteca sobre o assunto da América Latina, mas também das diversas outras áreas que não têm mais preciosidades que são muitas vezes insubstituíveis. Expressou a preocupação dos Wari’ com as invasões de suas terras. A tribo já teve 2/3 de seus integrantes dizimados por não indígenas. Para a pergunta “o que fazer para defender os índios?” ela respondeu que o mais importante é primeiro gostar do diferente, amar o diferente: quando amamos alguma coisa, defendemos. Um mundo diverso é mais rico, mais interessante. E nós não temos que civilizar os índios. Temos que aprender com eles.

Uauá – Adriana Calcanhoto, Guilherme Wisnik e Nuno Grande

A mesa-show realizada no auditório da praça fez uma costura da história do Modernismo do Brasil a partir da Antropofagia, de Brasília, da Bossa Nova e do momento atual que o país vive. Adriana Calcanhoto, Guilherme Wisnik e Nuno Grande apresentaram os conceitos da exposição que desenvolveram na cidade do Porto, Portugal Infinito vão: 90 anos de arquitetura brasileira (Casa da Arquitetura, Porto, Portugal, 2018/19)

Com músicas, desenhos, fotos, filmes e leitura de textos, a Arquitetura e o Urbanismo foram utilizados como ponto de contato das outras manifestações artísticas nacionais. A partir da maneira de viver na cidade e ocupar os espaços públicos, Adriana, Guilherme e Nuno levaram o público que lotava o auditório por um passeio emocionante pelo tempo e pelo desenvolvimento da identidade da arte brasileira.

Sincorá – José Miguel Wisnik

Em um percurso pela obra de Carlos Drummond de Andrade, Wisnik traça relações entre a vida do poeta e o desenvolvimento da Companhia Vale do Rio Doce. Esse é o tema de seu livro Maquinação do mundo: Drummond e a mineração (Companhia das Letras, 2018). Ligando trechos de poemas e crônicas ao desenvolvimento da

indústria do ferro em Minas Gerais, ele ilustrava a destruição da terra natal e os efeitos dessa pulverização na obra de Drummond. Antes de encerrar a mesa com a leitura da letra de uma música escrita por Arnaldo Antunes e Cezar Mendes para João Gilberto, Wisnik afirmou que “E agora, José?” é a pergunta que o país vive.

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