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Onde Havia Florestas, habitam almas, Luisa Almeida & Sani Guerra

De um lado, a pureza dos rostos talhados em madeira que nos revelam um corpo ingênuo, porém pronto para o combate. Do outro, a exuberância das cores entre as quais se detecta uma presença sublime, mas que não se pode decifrar completamente. Em comum, a obra de Luisa Almeida e Sani Guerra nos mostra força, seja na técnica diferenciada de ambas, seja na temática envolta em narrativas amarradas com precisão pelas artistas.

A mineira Luisa Almeida percebeu logo no início de sua breve carreira a afinidade com a xilogravura. O alto contraste presente na técnica se relaciona com a temática da artista. Na matriz, ela talha a luz, deixando o lastro de tinta desenhar as sombras que contornam as expressões de seus personagens em vestimentas inglesas de época, que misturam-se com trajes atuais, como um tênis desamarrado. As cenas construídas por ela mesclam com frequência recursos cênicos, influência presente na produção da artista também pelo fato de já ter atuado em montagens para óperas e teatros.

A arma, componente constante nas gravuras, azeita a narrativa, em que relata a ida de figuras femininas à guerra, enquanto crianças, ainda puras do significado real da luta, esperam pelo retorno das personagens também empunhadas com metais para defender-se. O relapso das posições em que seguram os fuzis mostram a inocência que começa a esmaecer com o conflito inerente. Dessa forma, Luisa busca examinar a relação simbólica presente entre a sociedade acerca desse objeto.

Parte de sua pesquisa gira em torno dos processos alternativos para a impressão de xilogravuras em grandes formatos. Como meio de impressão, ela utiliza-se de empilhadeiras ou rolos compressores, o que torna a produção dessas obras uma verdadeira performance. Assim como nos anos 70, Regina Silveira e Nelson Leirner buscaram ampliar os limites da gravura, agora a jovem artista segue por outros caminhos, mas com a mesma sede por encontrar diferentes formas de desenvolver a linguagem gráfica dentro de um crescente interesse que se percebe pela gravura na arte contemporânea.

O mundo fantástico de Luisa conecta-se diretamente com a produção poderosa de Sani Guerra. A friburguense, dona de uma recente carreira, porém já com uma instigante forma de pintar, cria atmosferas irreais que se revelam em certo desassossego para o espectador, entre os personagens, as paisagens, os ângulos e o espaço-tempo, que ela altera a cada tela.

Em seu processo criativo, transita entre a fotografia, a instalação escultórica e, atualmente com mais afinco, a pintura a óleo — técnica que domina com especial destreza e que nos remete a maneira de pintar com tinta espessa, encontradas também nas telas de Rodrigo Andrade, Vania Mignone entre muitos artistas jovens que retomaram a pintura.

Em seu pincel, a tinta ganha corpo e volumes, que dão vida a fauna e a flora que circundam seu universo fantástico que tem a floresta como fundo.

Nesse mundo tão particular concebido por Sani, mergulhamos em sua linguagem fragmentada de memórias e referências quase em queda livre. Por isso, não busque por verossimilhanças. Ainda mais em sua nova série. Nela, a artista foi além, colocando uma pitada a mais de mistério nas cenas e histórias que origina. Se antes as figuras não se encaixavam nos cenários pelo cartesianismo de nosso raciocínio, agora elas parecem flutuar, podendo ser tudo, todos ou até a ausência dos mesmos. Por baixo dos véus soltos em um jardim transformado pelas cerdas de Sani em opulentas floresta, podem viver seres mágicos também. E nesse cenário encantado qualquer imagem se torna possível.

Ana Carolina Ralston
Curadora

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