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Guardiões, Samuel de Saboia

“E cada um tinha quatro rostos, como também cada um deles quatro asas.
E os seus pés eram pés direitos; e as plantas dos seus pés como a planta do pé de uma bezerra, e luziam como a cor de cobre polido”, Ezequiel 1:6,7

Velho Testamento

Os seres viventes, também chamados de anjos no Novo Testamento, adquirem formas inesperadas e assustam seus espectadores diante de tanta beleza e horror. Foram mensageiros de Deus no Velho Testamento, tornaram-se guardiões na sequência e serviram os seres humanos nos momentos de luz e sombra – por isso, dizem, trazem os dois lados dentro de si. Em cada crença e em cada povo, ganham novos nomes, fazem aparições de diferentes maneiras em uma eterna transmutação. São essas distintas manifestações que Samuel de Saboia experimenta em Guardiões, primeira exposição do recifense no Brasil, depois de exibir trabalhos em Paris e Nova York, onde realizou recentemente sua primeira individual.

Em cada tela, o artista traduz essas grandiosas criaturas que nos protegem e guiam, estejam elas em um ritual indígena, como em “O Pajé E A Lua”, ou em “Crianças Estelares”, em que a união social não deixa com que minorias e maiorias sejam despedaçadas por atos de injustiça. “Se os anjos não possuem sexo, porque nós precisamos estabelecer um?”, questiona o artista, de 21 anos.

Assim como as aparições inesperadas desses seres, as pinceladas de Saboia são repentinas, explosivas e voluntariosas. As cerdas deixam rastros de tinta, vezes acrílica, vezes óleo, que são revistas pelos seus próprios dedos, usados para pontilhar, suavizar ou trazer ainda mais emoção à tela. À noite, novos impulsos invadem seu ateliê, confirmando o amor pela arte, que começou aos 12 anos, quando os pais, pastores no Recife, achavam que o menino estava possuído por forças malignas. “A arte sempre foi espiritual para mim”, completa ele, que, desde o início, mostrou-se ligado ao figurativo. Mais recentemente, trouxe às telas gestos mais abstratos e viscerais que compõem as cenas retratadas.

A infância, no Jardim Botânico, no Recife, onde morou com os pais até poucos anos atrás, trouxe a natureza exuberante e a luz intensa, de um lugar onde é sempre verão, para dentro da paleta escolhida por Saboia. Vermelhos, verdes e amarelos pontuam as criações e criaturas, em contraposição aos hemisférios escuros, em preto e azul cobalto, simbolizando a claridade e a sombra que coexistem dentro de tudo e de todos nós.

Guardiões também abriga as primeiras esculturas de cerâmica fria feitas pelo artista – uma tentativa de trazer os seres viventes para outra dimensão. O trabalho com a matéria-prima é uma nova vertente da obra de Saboia, que continua experimentando diferentes suportes para depositar seus pensamentos. As peças são moldadas à mão e apresentam emoção em curvas e aspectos disformes. Essa incursão também aparece em uma única tapeçaria apresentada na mostra, em que o artista relembra a destreza da mãe, uma de suas maiores guardiãs, quando tecia roupas para a família. Assim, ele segue na busca de unir o corpóreo e o espiritual que coexistem em seu interior.

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